O vermelho e os batistas

Foi no semáforo de Buritis.
O sol ardido de sábado hoje rebatia no pára-brisa encardido. Mesmo depois da chuvarada de anteontem, a poeira fina e amarelada já incomoda os transeuntes. Minha procura era por um tonner, esse novo vocábulo e dispositivo incorporado ao nosso cotidiano, como tantos outros que surgiram e surgirão com o progresso da tecnologia pós-moderna.
Pois é, ia eu nessa procura desse tonner novo para minha impressora velha. Anotei na palma da minha mão esquerda todas as letras e números que encontrei na impressora, e abalei para a rua.
Difícil de encontrar dessa marca pouco popular entre a clientela de impressoras e afins. Percebi que minha máquina já está obsoleta. Fui indo, fui indo... até que lá para as bandas do alto da cidade entrei numa livraria. Livraria Sonho Azul. Nome esquisito para uma livraria. Fico pensando de onde arrancaram o significado para esse nome. O sonho era azul? Por que era azul? Existe sonho azul? Ou então “eu sonho azul”? 
Entrei na loja levando, em sacolas plásticas, o corpo defunto do tonner velho borrado. Rapidamente fui atendido por uma mocinha. Apresentei o cadáver pra ela que olhou curiosa o dispositivo pra lá e pra cá. Meneou negativamente a cabeça e chamou um rapaz que atendia um senhor alto e vermelho no outro balcão. Parecia ser o vendendor-chefe. Ele veio, pegou a peça,  mirou-a com um ar inquiridor de Sherlock Holmes pra lá e pra cá. Não achou um tal bendito número -não -sei-lá-de-quê.  Perguntou-me:
- O senhor não anotou o número não-sei-lá-de-quê da impressora? Ele facilita pra nós encontrarmos o tonner dela.
- Sim, anotei. Sou uma pessoa precavida.
Abri a palma da mão para passar as coordenadas e... Minha mão estava lisinha igual mão de bebê.
-Oxente?!
- O que foi, senhor?
- Esqueci e lavei a mão antes de sair de casa.
O freguês vermelho deu uma gargalhada estrondosa, acompanhado da mocinha vendedora. O rapaz quis rir, mas, ao perceber meu desconforto com a situação, se conteve e com uma olhada de rabo-de-olho, cessou o riso da jovem também. Quanto ao Vermelho, esse não teve jeito que o calasse, ficou rindo toda vida com a aquela boca cheia de dentes. Deu uma vontade de meter-lhe o tonner pela goela escandalosa dele até ele se apagar. Sobrou-me vontade e faltou-me coragem.
Resumindo: Não fizemos negócio.
Vim meio que aperreado pra casa, com a risada do Vermelho como trilha sonora na cabeça. Como um sujeito barbado pode ser tão inconveniente e sem senso. aff!
No semáforo, tinha um grupo de pessoas que a cada intervalo, elas se punham à frente dos veículos com cartazes e uma enorme faixa onde se lia: “Jesus está com saudades de você”. Uma pequenina de uns 5 anos mais ou menos segurava o seu cartaz: “Posso orar por você?”  Do outro lado adolescentes e jovens encenavam, com enormes letras brancas em fichas pretas, mensagens sobre o amor de Deus por nós, enquanto um adolescente cruzava a pista carregando uma cruz grande de madeira.
Eles estavam todos felizes e entusiasmados, batendo palmas e suas baquetas, porque observei que disputavam quem seria o próximo a carregar a cruz. Todos queriam mostrar às pessoas o que Jesus, a mais de dois mil anos, fizera por nós.
Enquanto o sinal não abria, fui observando o que se sucedia ali. Era um programa dos Batistas nessa manhã ensolarada de sábado buritisense fazendo do semáforo o seu campo missionário.
Aquilo sossegou meu coração. Esqueci o vermelho, sua bocarra e trilha sonora. Em meu coração o perdoei e pedi perdão a Deus. Há tantas coisas maravilhosas acontecendo e por causa da nossa mesquinharia, esquecemos de ser felizes.


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