Uma crônica às escuras

Depois de uma semana cansado dos sacolejos pelos buracos das ruas, o cidadão buritisense quer desfrutar seu final de semana no conforto de seu lar ouvindo som, assistindo televisão, navegando na internet e tomando um simples copo com água gelada. Isso seria até possível se não fosse a energia elétrica, ou melhor, a falta dela.
De uns tempos para cá a queda de energia se tornou uma constante. E não tem horário e nem faixa etária para atacar. Não olha condição social, cor raça ou religião. Essas quedas de eletricidade pelo menos não são preconceituosas. É no meio da noite, do dia ou da rua. De repente tudo para. A energia acabou.
Faltar eletricidade à noite é trevas... Mas aqui em Buritis a gente só percebe que a energia se foi quando está em casa, porque na rua todo dia de noite é só o breu. Não temos uma iluminação pública decente, ao contrário do Alfaville, onde não mora quase ninguém. Até os sapos de lá vivem na luz, dando seus coaxados iluminados e orgulhosos.
Mas no escuro a gente costuma encontrar algumas coisas que na luz não encontraríamos. Por exemplo, tudo quanto é quina de móveis pra socar o dedinho do nosso pé, tapetes que parecem criar vida na escuridão e vão se embolando na gente, nos dando belos tombos no escuro; até aquele skate que nem sabia que tinha isso em casa. Melhor é a luz mesmo.,
O Brasil tem Samba de uma Nota Só. Por causa dessas quedas constantes de eletricidade, em Buritis nós temos a sinfonia de uma nota só, tocada pela orquestra de pernilongos, que parecem sair de todos os buracos da cidade e vir naquele momento para sua casa tocar a melodia irritante ao pé dos seus ouvidos. Se fosse só a música nervosa deles, daríamos um jeito. Mas os insetos se atiram como kamikazes decididos a matar ou morrer pelo nosso sangue. Não há sossego. Seus ferrões parecem agulhas afiadas que as fêmeas usam para furar nosso couro e sugar o sangue (Viu aí que são as fêmeas que nos sugam? Sempre elas, nem.). Não há inseticida, pesticida, homicida ou qualquer coisa em Cida que dê jeito neles. Sugam como alguns partidos sugam nosso povo, nossa gente, com fome, com força. Com gana.
Ficar sem eletricidade em casa ou no trabalho (no trabalho ainda relevamos) é o Ó do Borogodó. Mais triste ainda é no final de semana. Não bastava os dias úteis, agora o apagão resolveu fazer horas extras, caindo a força aos sábados, domingos e feriados também. A farra do povão fica comprometida. A cidade fica desmaiada. Apenas se ouve ruído de um veículo ou o latido de um cão aqui e acolá. Aí você pensa:
“-Pelo menos não ouvirei o som enjoado do meu vizinho tocar”. Errou. Não é que o bendito colocou pilhas novas naquele abelheiro e, sem nenhum concorrente soando agora, aquilo tomou uma potência de uns cinco mil watts rms!?
Imagina domingo à noite, a igreja lotada, o ministrante todo eloquente entregando seu sermão, grita para a multidão:
- Saiam das trevas e venham para a luz, meus irmãos. - Aí, pah! A luz vai embora bem nesse momento... - É obra das trevas, mesmo, nem.
Ou então aquela noveleira, ligada na novela. Sabe que é hoje, depois de quase um ano assistindo a indecisão dos apaixonados que o galã suspeito, com voz melosa de um irresistível conquistador, se declarará para a amada: 
- Oh, Carlinho Mão-de-Cera, beija-me! 
- Ai, Lucinha Apaga-Rojão, não sei se devo! Tenho mentido para você todo este tempo, meu amor. Mas agora vou te dizer toda a verdade. A verdade é que eu... – Pah! A energia pifa.
A telespectadora pira! Imagina a cara de frustração da pessoa. Algumas entram até em depressão.
Quero ver como será na copa. Naquele momento decisivo em que o narrador vocifera entusiasmado e você já fica preparado para o berro:

"-Cruzamento na área, o atacante  fica cara a cara com o goleiro adversário. O goleiro sai para o embate, é driblado pelo goleador que agora chuta a bola para o gol e"... A energia elétrica se vai. Mas essa Ceron não torce com a gente, uai. Parece hermana. E agora?
Um pacto sinistro celebrado nas trevas no qula os pernilongos sugam nosso sangue e a geradora de energia de Buritis suga nosso bolso.
Mas quando a força volta, toda a cidade vibra como um gol da seleção em final de copa do mundo. Há música nas casas, as crianças sorriem, as flores desabrocham, os peixes nadam e os pássaro voam. O morcego, apesar de ser um mamífero, também. Dizem algumas vovós que os piolhos também voam, mais não é disto que estamos tratando aqui. 

O pior é que depois de passar o mês inteiro tendo essas quedas de energia elétrica quase todos os dias, o cidadão buritisense tem que pagar uma conta de energia absurda. E paga não pra ver. É melhor eu terminar a crônica de hoje antes que a energia acabe.

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